sexta-feira, 29 de abril de 2011

A HISTÓRIA OFICIAL

Ficha do Filme:
  • Título original: Historia Oficial, La
  • Diretor: Luis Puenzo
  • Elenco: Norma Aleandro, Héctor Alterio, Chunchuna Villafañe, Hugo Arana, Guillermo Battaglia, Chela Ruiz, Patrício Contreras, Maria Luisa Robledo
  • Gênero: Drama
  • Duração: 113 min
  • Ano: 1985

A História Oficial: uma tragédia argentina

As feridas abertas pela mais recente ditadura militar na Argentina ainda sangram. Este é o tema do filme “A História Oficial".
Produzido no auge do questionamento da ditadura, se passa em 1983. Apresenta a história de Alicia Ibañez, uma rígida professora de História que sempre ensinou a "História Oficial", da tradição republicana argentina e seus grandes heróis.
Mas quando uma velha amiga volta do exílio e conta como foi perseguida e torturada, revelando os horrores dos porões da ditadura, ela começa a questionar as estranhas circunstâncias da adoção de sua filha. A criança havia sido trazida pelo marido, que, sem maiores explicações, disse somente que a mãe a havia abandonado. A partir de questionamentos de seus alunos, e também do início da divulgação dos crimes da ditadura, Alicia toma conhecimento dos “boatos” sobre os raptos dos “filhos de desaparecidos", e começa a achar que sua filha pode ser uma destas crianças.
Nesse momento, o regime iniciado em 1976 está nos estertores finais. Após um conturbado período de inquietação e insegurança social e radicalização política de direita e de esquerda, as Forças Armadas, impregnadas pelo anticomunismo, realizam intervenção militar baseada na Doutrina de Segurança Nacional . A instauração do regime ditatorial é imediato (Estatuto para o Processo de Reorganização Nacional, 31/03/1976): suspensão da Constituição, restrição às liberdades civis e às atividades políticas, controle da imprensa e concentração dos poderes nas mãos do Executivo.
O regime inicia então a chamada “guerra suja”, uma campanha de detenção ilegal, tortura e assassinatos voltada contra grupos esquerdistas e, posteriormente, contra todos os opositores, de qualquer corrente ideológica.
Caçando, prendendo e torturando os integrantes das organizações “subversivas”, seus parentes e amigos, a guerra suja rapidamente alcançou um alto grau de complexidade e organização, com a instalação de aproximadamente 340 CCDs (Centros Clandestinos de Detención). Esta política sistemática de perseguição e pavor criou a categoria dos "Desaparecidos", pessoas seqüestradas em casa, na rua ou no trabalho e que nunca mais foram localizadas.
A principal idéia dos militares era instaurar o pavor entre a sociedade civil, para estimular as denúncias e coibir a oposição. Até o fim do regime, cerca de 30 mil argentinos morreram ou desapareceram, de acordo com entidades de direitos humanos (estimativas conservadoras falam em 15 mil vítimas).
O horror atingiu até crianças inocentes, filhos e filhas dos presos políticos; crianças que viram seus pais serem seqüestrados no meio da noite ou que nasceram nas prisões. Uma rede ilegal de “adoção paralela” foi formada por famílias de oficiais e colaboradores civis do regime. Toda criança “recolhida” era encaminhada à adoção “extra-oficial” e escondida, tendo sua identidade modificada. Assim, buscava-se “sanear” a sociedade argentina, inserindo os filhos dos subversivos junto à “gente de bem”.
Como resultado deste processo, existe hoje na Argentina um número indeterminado de pessoas, “filhos de desaparecidos” que podem ainda estar vivendo sob identidade falsa, com uma família adotiva. Segundo levantamento da associação Abuelas de Plaza de Mayo, cerca de 75 já foram localizados e atualmente vivem com suas famílias verdadeiras ou ao menos as conhecem.
É nesse contexto que surgem os questionamentos da personagem Alicia. Ela começa a pesquisar a história do nascimento de sua filha; procura hospitais, arquivos, entidades de direitos humanos. E nessa busca termina por encontrar a avó verdadeira de sua filha, uma das Abuelas da Praça de Maio. Enquanto isso, o marido insiste em continuar negando a verdade, o que termina por destruir sua família. Seus colegas de trabalho - aparentemente ele é funcionário de um dos ministérios com sede na Praça de Maio - também estão bastante inquietos com o fim do regime, e, para "piorar", seu pai e irmão, anarquistas, questionam seu enriquecimento e suas atitudes. O mundo de sonho e fantasia de ambos desmorona.
”A História Oficial” retrata uma época de grandes mudanças e descobertas na Argentina. A ditadura ruía por dentro e seus crimes apareciam a cada dia na TV. Enquanto a burguesia enriquecida (Alicia) tentava manter os olhos fechados, a burocracia corrupta e conivente (Roberto, o marido) se desespera, temendo cair em desgraça. Sara, a abuela, é o retrato da busca pela verdade, e Ana, a filha, é a prova viva dos crimes da ditadura.
Em momento revelador do filme, Alicia desespera-se ao intuir a verdade sobre sua filha e pergunta a um padre o que fazer. Este aconselha o esquecimento e o silêncio, e no diálogo fica claro que participou diretamente do processo que levou a pequena Ana àquela família. O padre, conivente e apoiador da ditadura, é uma peça fundamental para a compreensão do esquema de rapto de crianças e do papel da Igreja como aliada do regime.
A personagem Alicia é o retrato da própria Argentina, que não quer ver o passado, mas é forçada a isto porque este está dentro de casa, cercando-a, ameaçando-a; não é mais possível fugir da verdade.
Após uma fracassada aventura militar (Guerra das Malvinas, 1982), a ditadura entra em colapso. Durante a transição democrática (1983-1990), tem início a busca da sociedade argentina pela verdade. Um intenso movimento de investigação é realizado pelas entidades de direitos humanos; a Comissão Nacional sobre Desaparição de Pessoas identifica cerca de 9.000 desaparecidos e revela a localização de diversos Centros Clandestinos de Detenção; imprensa e sociedade civil pressionam pela punição de todos os envolvidos nos crimes do regime autoritário.
Estas ações e o clamor por justiça amedrontam os militares e colaboradores, que, temendo retaliações, acusam e ameaçam os investigadores, pressionando pela “reconciliação nacional”. Esta situação encontra-se bem retratada no filme pelo desespero do personagem Roberto.
Prevendo a reação, o próprio regime já havia decretado a “Autoanistia” (Lei n° 22.924, de 23/03/1983, posteriormente anulada), inocentando os “subversivos”, mas também eximindo os militares. Temendo as freqüentes sublevações dos militares ameaçados, o governo redemocratizador de Raul Alfonsín (1983-1989) assumiu posições moderadas: com a promulgação da “Lei Ponto Final” (nº 23.492 de 03/09/1986: eximindo todos os processados, exceto os envolvidos em ocultação de menores) e ”Lei da Obediência Devida” (nº 23.521 de 04/06/1987), eximiu todos os oficiais subalternos das três Armas.
Em 30 de dezembro de 1990 o presidente Carlos Menen decreta indulto geral para mais de 300 envolvidos, inocentando assim todos os militares de alta e baixa patente envolvidos na repressão, não contemplados pelas leis anteriores.
Assim os poderes constituídos realizaram uma “anistia branca”, não-oficial, mas que efetivamente protegeu todos os responsáveis pelos crimes contra os direitos humanos. A questão não foi resolvida e ainda convulsiona a vida política argentina. Porém, a sede de justiça expressa em “A História Oficial”, precocemente tematizando um dos fatos mais chocantes e peculiares do passado recente do país, é um sinal de que as feridas são profundas, mas podem cicatrizar.

(http://historiografo.blogspot.com/2009/06/historia-oficial-uma-tragedia-argentina.html)