sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A história da declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789

Os momentos que antecederam a redação dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovadas pela Assembléia Nacional da França em agosto de 1789 - ocasião em que se encontraram Thomas Jefferson, então embaixador da jovem república norte-americana em Paris, e o marquês de Lafayette, o nobre cavalheiro francês que fora lutar, anos antes, pela libertação das 13 colônias inglesas da América do Norte - , mostraram o inequívoco enlace entre as duas grandes revoluções liberais-democráticas do século XVIII: a Americana de 1776, e a Francesa de 1789.


O decálogo da liberdade moderna

A Declaração de 1789 (frontispício)
Uma Declaração de Direitos é um privilégio do povo contra qualquer governo na terra, geral ou particular, e nenhum governo justo deve recusá-lo, ou basear-se em inferências.
"Thomas Jefferson"

Inebriados por suas sucessivas vitórias perante o rei Luís XVI, os parlamentares franceses reunidos na Assembléia Nacional em Paris, então encarregados de redigirem uma Constituição, decidiram elaborar uma Declaração de Direitos que servisse de preâmbulo à nova Magna Carta. Somaram-se, então, à mesa da Comissão Constituinte, presidida por Mirabeau e Mounier, mais de uma vintena de declarações. Após um intenso trabalho de burilagem, o texto definitivo foi apresentado, em forma de 17 artigos, à Assembléia Nacional e aprovado no dia 26 de agosto de 1789. Como observou Jacques Godechot, a aparência de decálogo que a Declaração assumiu devia-se ao passado cristão dos parlamentares, que, apesar de se declararem seguidores de Voltaire, haviam quase todos passado sua vida escolar nos bancos dos colégios religiosos.

Tratava-se de dar ao povo francês um "catecismo cívico", tão apregoado por Jean-Jacques Rousseau, uma espécie de secularização dos Dez Mandamentos da lei mosaica. Apesar de ter sido a Declaração de 1789 a que terminou por ficar na história como o verdadeiro decálogo da liberdade do homem moderno, é interessante registrar que ela foi uma entre tantas outras que viram à luz a partir do século XVII, fruto dos reclamos do liberalismo nascente. Os historiadores ingleses, naturalmente, apontam a Carta Magna de 1215, como a pedra filosofal inspiradora de todas as declarações que se seguiram desde então. Os franceses, por sua vez, gostam de remontar às petições feitas pelos Estados Gerais reunidos em Paris, a primeira em 1355, e a outra em 1484, ambas em nome da liberdade das gentes. Dessa forma, se fossemos buscar as raízes últimas das modernas declarações de direitos terminaríamos no Sermão da Montanha de Jesus Cristo.

As primeiras declarações de direitos

Sob o ponto de vista na modernidade constitucional e para a liberdade contemporânea, o que mais importa são os documentos que começaram a surgir a partir do século XVII, sendo o primeiro entre eles a Petição de 1628, que o parlamento inglês enviou ao desastrado rei Carlos I (que seria mais tarde decapitado durante a revolução puritana, em 1649). Nessa petição, os cidadãos reclamam dos impostos ilegais, do aboletamento dos soldados em casas de gente boa e nas prisões sem justa causa. Dado o comportamento incorrigível dos seus reis, os parlamentares ingleses tiveram que apresentar uma outra, a Bill of Rights, de 1689, que visava limitar ainda mais a autoridade real, bem como impedir que, dali em diante, o Parlamento fosse fechado a qualquer pretexto.

Tais liberdades conquistadas pelos britânicos encantaram não apenas seus vizinhos franceses, como bem atestam os testemunhos de Montesquieu, de Voltaire e de Rousseau, como terminaram por inspirar os colonos ingleses da América a lutar pela conquista da sua independência. A partir de 1776, até 1784, seis colônias americanas rebeladas (Virgínia, Maryland, Carolina do Norte, Vermon, Massachusetts e New Hampshire) resolveram proclamar não só os seus direitos bem como encarregar o talentoso Thomas Jefferson a redigir uma desaforada carta de independência em que, entre outras coisas, afirmava que o governo de Sua Majestade britânica deveria promover a felicidade dos seus súditos e que, se ele não o fizesse, eles teriam todo o direito de pegar em armas e se libertar.



Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão


Votada definitivamente em 2 de outubro de 1789

Os representantes do Povo Francês constituídos em Assembléia Nacional, considerando, que a ignorância o olvido e o menosprezo aos Direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos, resolvem expor uma declaração solene os direitos naturais, inalienáveis, imprescritíveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente a todos os membros do corpo social, permaneça constantemente atenta a seus direitos e deveres, a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo possam ser a cada momento comparados com o objetivo de toda instituição política e no intuito de serem pôr ela respeitados; para que as reclamações dos cidadãos fundamentais daqui pôr diante em princípios simples e incontestáveis, venham a manter sempre a Constituição e o bem-estar de todos.

Em conseqüência, a Assembléia Nacional reconhece e declara em presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão:

I
Os homens nascem e ficam iguais em direitos. As distinções sociais só podem ser fundamentadas na utilidade comum.

II
O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis ao homem.

III
O princípio de toda a Soberania reside essencialmente na Nação; nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não emane diretamente dela.

IV
A liberdade consiste em poder fazer tudo quanto não incomode o próximo; assim o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem limites senão nos que asseguram o gozo destes direitos. Estes limites não podem ser determinados senão pela lei.

V
A lei só tem direito de proibir as ações prejudiciais à sociedade. Tudo quanto não é proibido pela lei não pode ser impedido e ninguém pode ser obrigado a fazer o que ela não ordena.

VI
A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou pôr seus representantes à sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, quer ela proteja , quer ela castigue. Todos os cidadãos, sendo iguais aos seus olhos, sendo igualmente admissíveis a todas as dignidades, colocações e empregos públicos, segundo suas virtudes e seus talentos.

VII
Nenhum homem poder ser acusado, sentenciado, nem preso se não for nos casos determinados pela lei e segundo as formas que ela tem prescrito. O que solicitam, expedem, executam ou fazem executar ordens arbitrárias, devem ser castigados; mas todo cidadão chamado ou preso em virtude da lei devem obedecer no mesmo instante; torna-se culpado pela resistência.

VIII
A lei não deve estabelecer senão penas estritamente e evidentemente necessárias e ninguém pode ser castigado senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada.

IX
Todo homem sendo julgado inocente até quando for declarado culpado, se é julgado indispensável detê-lo, qualquer rigor que não seja necessário para assegurar-se da sua pessoa deve ser severamente proibido pôr lei.

X
Ninguém pode ser incomodado pôr causa das suas opiniões, mesmo religiosas, contanto que não perturbem a ordem pública estabelecida pela lei.

XI
A livre comunicação de pensamentos e opinião é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode pois falar, escrever, imprimir livremente, salvo quando tiver que responder do abuso dessa liberdade nos casos previstos pela lei.

XII
A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita da força pública; esta força é instituída pela vantagem de todos e não para a utilidade particular daqueles aos quais foi confiada.

XIII
Para o sustento da força pública e para as despesas da administração, uma contribuição comum é indispensável. Ela deve ser igualmente repartida entre todos os cidadãos em razão das suas faculdades.

XIV
Cada cidadão tem o direito de constatar pôr ele mesmo ou pôr seus representantes a necessidade de contribuição pública, de consenti-la livremente, de acompanhar o seu emprego, de determinar a cota, a estabilidade, a cobrança e o tempo.

XV
A sociedade tem o direito de exigir contas a qualquer agente público de sua administração.

XVI
Qualquer sociedade na qual a garantia dos direitos não está em segurança, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição.

XVII
Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser dela privado, a não ser quando a necessidade pública, legalmente reconhecida, o exige evidentemente e sob a condição de uma justa e anterior indenização.